“Moçambique Tem Talento, Ambição e Potencial Para

“Moçambique Tem Talento, Ambição e Potencial Para

Recém-nomeado Office Managing Partner da EY em Moçambique, Bruno Dias partilha uma visão abrangente sobre os desafios e oportunidades do País, da digitalização à melhoria do ambiente de negócios, sem esquecer a necessidade de aumentar o investimento externo para fazer crescer a economia. Bruno Dias assume a liderança da EY em Moçambique numa altura crucial para a economia nacional. “Estamos num momento decisivo”, reitera. Com seis anos de experiência neste mercado, assume agora a liderança de todas as linhas de serviço da consultora no País. A prioridade, assinala, passa agora por fortalecer a presença da empresa em áreas estratégicas como a tecnologia e a inovação — com ênfase na digitalização e na IA — bem como pela consolidação dos diversos segmentos em que a EY já detém uma posição relevante no mercado, nomeadamente na auditoria e consultoria. Com um olhar panorâmico sobre a actualidade económica, aponta à “necessidade” de um maior investimento em áreas fundamentais como as infra-estruturas, agricultura, indústria e turismo, até para fazer face aos riscos da “doença holandesa” no contexto de uma excessiva potencial dependência do gás natural. Sublinha, ainda, a importância de um ambiente de negócios mais transparente, com justiça confiável e incentivos fiscais “claros”, para atrair investimento privado e garantir “crescimento sustentável” de Moçambique. Num momento em que assume a liderança da EY no País, o que vai mudar, a curto e médio prazo? Anteriormente era responsável pela área de consultoria e, neste momento, sou Office Managing Partner. Nós (EY) estamos organizados no cluster de Portugal, que engloba os países lusófonos. Deixei de ter apenas responsabilidades na consultoria e passei a supervisionar também as outras linhas de serviço, em conjunto com os outros sócios, obviamente. O que muda, essencialmente, é que numa função como esta há que adoptar uma visão mais holística e transversal alinhada com a estratégia global da EY, lançada pela nossa CEO e que assenta em vários pilares. “A tecnologia é um motor real de mudança em Moçambique: há talento local, vontade de inovar e projectos públicos e privados com grande ambição. E estamos no centro disso” As principais áreas são a auditoria, fiscalidade e consultoria. A auditoria é um negócio bastante regular, em que o mercado é muito estável ao longo dos anos e tem rotações normais. Logo, aí, não antevemos que o mercado vá crescer muito. Onde realmente se pode criar mercado é nas áreas de consultoria ou nas associadas à fiscalidade, ou seja, fora dos serviços tradicionais. Vamos querer crescer numa área a que chamamos de managed services, que é um outsourcing de serviços, não só o tradicional de contabilidade, mas também na banca, onde suportamos alguns dos processos que esta já tem em outsourcing. Já na consultoria, o grande vector de crescimento é a tecnologia. Há seis anos, quando cheguei, não tínhamos consultoria tecnológica, mas hoje dispomos de uma equipa que cresceu connosco, aqui dentro. Quando fala em potencial de crescimento, em que áreas está a pensar? A IA, sem dúvida, e a digitalização das operações. O sector empresarial moçambicano e mesmo alguns clientes mais sofisticados na área financeira têm grandes apostas em curso na transformação digital. O Estado também. Lembre-se que têm sido lançados, agora, bastante concursos de transformação digital, como o Portal do Cidadão ou o da interoperabilidade entre Ministérios, suportado pelo Banco Mundial. Nós queremos estar associados a estes projectos, quer no sector público, quer no sector privado. Depois, de há alguns anos para cá, tem-se falado em introduzir o SAFT, que é uma tecnologia que foi implementada em vários países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico). Portugal foi pioneiro, mas, por exemplo, Angola e Cabo Verde têm o SAFT implementado. Moçambique, neste momento, está a olhar para esta possibilidade que, no fundo, é um intercâmbio digital de facturas entre a Autoridade Tributária e as empresas contribuintes, que vai permitir cruzar dados e fazer um compliance fiscal muito mais aportado. Em todos os países onde foi implementado, teve um efeito grande na receita fiscal. Houve um aumento significativo da receita fiscal, e em Moçambique isso pode também acontecer. Fomos consultores nesse projecto e é neste tipo de acções que queremos estar, agregando, claro, o know-how que temos a nível interno, agregando a expertise da nossa rede de consultores em vários mercados. Qual será o papel da tecnologia nos próximos anos da economia? A tecnologia é fundamental para ultrapassar muitos dos desafios do desenvolvimento num país como o nosso. É certo que há zonas com menor conectividade, mas, nos projectos que temos feito, mesmo nas províncias e nos distritos, ficamos muito surpreendidos pela utilização massiva de telemóveis, das redes sociais ou das carteiras móveis por parte dos jovens e pela população no geral. Por outro lado, tudo o que tem que ver com a IA e automatização de processos já é uma realidade aplicada em várias empresas moçambicanas. Numa visita recente a um cliente da área da logística, fiquei bastante impressionado com o trabalho interno que têm feito com as suas equipas, em desenvolver apps internamente, com capital humano moçambicano. O nível dos estudantes de tecnologia que saem das faculdades em Moçambique é animador, e nós trabalhamos com inúmeros jovens formados nessas áreas, que cresceram dentro da EY com a entrada de novos serviços, trabalhando em equipas das várias geografias onde estamos. Como analisa o panorama actual da economia moçambicana e as perspectivas a médio prazo? Tanto ao nível de Moçambique como ao nível internacional, eu acho que estes anos são sui generis. Em Moçambique, como é sabido, depois das eleições (no ano passado) há um novo Governo. Houve uma fase de instabilidade social, neste momento já amenizada. A nível económico, temos a questão da dívida pública. Tivemos um primeiro trimestre de contracção económica com o PIB a decrescer 3,92%, e vamos ver o que nos dirão os números do segundo trimestre. Há também o contexto da escassez de divisas, que torna difíceis as operações das empresas importadoras. Tudo isto são temas de curto prazo, que têm de ser resolvidos na economia de Moçambique. A médio prazo, são as questões estruturais: o País tem de ser infra-estruturado porque, sem isso, será difícil haver crescimento nos sectores primário (agricultura) e secundário (indústria). É preciso haver uma espinha dorsal de infra-estrutura neste país que é muito grande, com quase 3000 km de Norte a Sul, em que a capital está no Sul e os projectos de gás estão no Norte. Diria que, para além da agricultura e da indústria, o turismo é fundamental e precisa de alguma atenção. Mas também para isso é preciso investimento. Por onde começar? É preciso investimento externo, mas há que se ser criativo e trabalhar noutras formas de o fazer. Há que pensar em Parcerias Público-Privadas (PPP), em concessões. Existe, com certeza, algum dinheiro que pode ser disponibilizado, mas para o peso das contas públicas, tal como estão hoje em dia, é preciso capital privado. Há também muito mais temas de project finance, etc., na banca tradicional. Falando de gás, existe a noção de que os projectos estão perto de retomar. Como vê isso? O GNL vai ser fundamental para o desenvolvimento económico no curto prazo. Mas muito cuidado com a doença holandesa. Este país não pode crescer alavancado pelo gás ou apenas nos projectos energéticos. Tem de se pensar e estruturar os sectores de maior impacto económico, nomeadamente a agricultura e a indústria. Mais uma vez, para isso acontecer, são precisas boas infra-estruturas. Os projectos de gás são bons, obviamente, mas não podem ser o foco único que, na nossa opinião, deveria ser orientado para as indústrias que fazem crescer a economia de forma sustentável. “Os projectos de gás são bons, obviamente, mas não podem ser o foco único que, na nossa opinião, deveria ser orientado para as indústrias que fazem crescer a economia de forma sustentável” O desenvolvimento depende também do ambiente de negócios. O que é que deveria mudar nos próximos tempos em relação a este aspecto? São muito importantes os incentivos e as políticas fiscais para os investimentos irem para o sítio certo. O Estado deve ser ser visto como uma contraparte de confiança nas operações. Como? Por exemplo, fazendo os reembolsos do IVA na altura certa, programas de incentivos fiscais bem estruturados, regulando. E há algo que é fundamental para qualquer empresa externa, em qualquer país, que é a confiança no sistema de justiça, fundamental para que quem investe saiba que os checks and balances existem e que se pode confiar neles, do sistema de justiça ao governance das empresas públicas. É muito importante o compliance, principalmente para as empresas multinacionais que, antes de investirem numa geografia, olham primordialmente para isto. Que patamar de desenvolvimento Moçambique é capaz de alcançar? Os primeiros sinais do novo Governo são animadores. Se conseguirmos ir resolvendo estes desafios, não tenho dúvidas de que Moçambique é um País com o tal imenso potencial de que tanto se fala. Está geograficamente muito bem posicionado para a conectividade internacional, tem uma imensa mão-de-obra e um enorme potencial natural. Precisa, obviamente, de formação de qualidade no ensino, quer de base, quer universitário, para a criação do conteúdo local. Mas devo dizer que fico surpreendido com a qualidade de alguns dos jovens que temos recrutado nos últimos tempos. Estou optimista quanto ao futuro, sem dúvida. Agora que está a assumir um novo papel na sua carreira, num contexto local e internacional bastante imprevisível, como é que se planeia a médio e longo prazo neste tipo de cenário? Lembro-me perfeitamente quando cá cheguei (há seis anos), antes da covid-19: aquilo que tinha planeado para os programas seguintes, nada disso se realizou. Como diz, hoje em dia é muito difícil fazer planos a muito longo prazo, evidentemente. E falo de questões mais globais, locais, como o câmbio do dólar, que quando flutua tem impacto na operação, na balança comercial do País, em tudo. E claro, se olharmos para fora, tudo o que tem que ver com a nova administração dos EUA vai ter um impacto muito grande aqui em Moçambique, como teve também, para nós (EY), que tínhamos bastante projectos a nível das agências americanas que viram o seu financiamento congelado pelo DOGE de Elon Musk. Aí, de facto, tivemos de nos reinventar, e creio que será essa capacidade adquirida por força das circunstâncias uma das mais-valias de todas estas mudanças. Mas genericamente, quanto a Moçambique, os sinais são bons. O commitment da actual administração é notório, e na nossa opinião está-se a olhar para os sítios certos e para projectos estratégicos que podem ser implementados. A conjuntura económica tem vários desafios, como dizia, mas acho que resolvendo alguns dos temas de curto prazo de que falámos, podemos depois, todos, sector público e privados, focar-nos no crescimento e no futuro. E, nesse futuro, qual o vosso papel? Eu gostava que os nossos clientes, dos sectores privado e público, olhassem para a EY como um parceiro no seu caminho de desenvolvimento. A EY, em Moçambique, sempre teve um brand muito reconhecido. Caminhamos nos ‘ombros de gigantes’ e, hoje, tenho a perfeita noção que começo uma função com muito trabalho já feito atrás de mim, e com uma brand muito sustentada em Moçambique. Obviamente que queremos crescer e ser parceiros de confiança, quer no sector público, que tem enormes desafios nos próximos anos, quer no privado, onde temos vários tipos de expertise internacional providenciada pela nossa rede, e que podemos pôr à disposição dos nossos clientes de uma forma rápida e eficaz. Texto: Pedro Cativelos • Fotografia: Mariano Silvaa dvertisement

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