“Precisamos de Uma Comissão Nacional de Finanças Públicas” •
advertisemen tO Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO) considera que o problema fiscal de Moçambique é, antes de tudo, institucional. A fragilidade do Estado, a captura de funções públicas e a ausência de estratégia comprometem a arrecadação de receitas. A E&M ouviu o Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO), uma plataforma de organizações da sociedade civil com larga experiência na análise das contas públicas e na monitorização da transparência e eficácia da despesa. Na voz da sua representante, Fátima Mimbire, o FMO defende a criação de uma comissão nacional de Finanças Públicas, que permitiria desenhar uma agenda de desenvolvimento sustentada. Esta comissão seria responsável por conduzir estudos, auscultar a sociedade, definir prioridades e propor soluções resistentes aos ciclos políticos. O plano quinquenal do Governo (2025-2029), por exemplo, passaria a ser um instrumento de execução dessa visão nacional e não uma lista avulsa de desejos. Para o FMO, uma comissão de Finanças Públicas resgataria o Estado do improviso. Seria um órgão independente, constituído por moçambicanos de várias áreas do saber — economistas, académicos, estrategas, gestores públicos e privados —, com a missão de estabelecer uma visão partilhada de desenvolvimento para 20, 30 ou 50 anos, sendo o ponto de partida para toda a planificação nacional. Segundo o fórum, deixaria de haver investimentos improvisados e projectos de impacto duvidoso. Passar-se-ia a discutir retorno, viabilidade e estratégias reais para industrializar, produzir, empregar e arrecadar. A crise de pensamento estratégico seria enfrentada com inteligência colectiva. Ineficiência estrutural das empresas públicas Um dos problemas institucionais apontados pelo FMO é o facto de o Estado criar empresas para gerir concessões (como a Rede Viária de Moçambique, na área de estradas, ou a própria Empresa Nacional de Hidrocarbonetos, ENH, na área petrolífera) e que têm estruturas pesadas: conselhos de administração dispendiosos e muitos trabalhadores sem funções claras. “Só as regalias de um PCA absorvem até 20% da receita da empresa. O resultado é que as receitas geradas mal chegam ao Estado”, apontou a pesquisadora do FMO. O FMO alerta: sem pensamento estratégico, o País continua a investir sem critério, a planear sem visão e a arrecadar muito abaixo do seu potencial real, perpetuando ciclos de pobreza e fragilidade institucional Outro exemplo é o da Companhia Moçambicana de Hidrocarbonetos (CMH), que representa a ENH no projecto de gás da Sasol, implantado desde 2004, em Inhambane: “Gera receitas significativas, mas canaliza pouco ou nada em dividendos para o Estado, muitas vezes sob o argumento de reinvestimento, cuja materialização é difícil de verificar.” Há, assim, uma diluição dos ganhos do Estado em cadeias de empresas, como acontece com o Instituto de Gestão das Participações do Estado (IGEPE), que participa em várias empresas públicas. Isto exige uma reflexão urgente sobre as participações estatais em projectos com potencial de arrecadação de receitas. Proliferação institucional sem base analítica Estamos perante uma tendência preocupante, aponta o FMO: a criação sucessiva de instituições e empresas públicas, muitas vezes com funções redundantes. Fátima Mimbire fala da intenção do Presidente Daniel Chapo de criar um Banco de Desenvolvimento, entre outras instituições. Algumas ideias sobrepõem-se a instituições já existentes, como o Banco Nacional de Investimentos (BNI) e questiona: “Porque não adaptar o funcionamento do BNI ao banco que se pretende criar, em vez de se criar um novo banco?” Por isso, para o fórum, estas iniciativas não resultam de uma análise rigorosa das necessidades do País. Muitas vezes, servem apenas para acomodar interesses políticos. Isto é, criam-se estruturas que geram mais custos ao Estado e drenam recursos que poderiam ser usados para o desenvolvimento. Fragilidades na fiscalização e controlo público O Tribunal Administrativo tem limitações sérias: falta de recursos humanos e financeiros, ausência de poder jurisdicional real e dependência da Procuradoria Geral da República (PGR) para accionar judicialmente os casos, queixa-se o FMO. Não consegue auditar todas as instituições e, muitas vezes, as suas recomendações são ignoradas. Pior: a Assembleia da República, que devia usar os pareceres do Tribunal Administrativo como base de fiscalização, aprova as Contas Gerais do Estado sem exigir correcções. Funciona, muitas vezes, como um “notário” do Governo, o que fragiliza o controlo e perpetua os défices. Imobiliário, Turismo, Pesca, Florestas… ignorados Segundo o FMO, o sector imobiliário funciona como um veículo de dissimulação de capitais, sem qualquer regulação fiscal efectiva. Transacções milionárias de compra e aluguer de casas ocorrem fora do sistema bancário, sem rastreabilidade, sem tributação. Deveria ser um dos sectores com maior potencial de contribuição fiscal, como acontece em vários países, mas continua intocável, porque muitos dos seus beneficiários estão ligados ao poder. Segundo o fórum, o mesmo se aplica ao turismo. Com uma costa extensa, biodiversidade e cultura rica, Moçambique continua a arrecadar apenas 250 milhões de dólares anuais do sector. Faltam infra-estruturas, acessos, serviços e uma estratégia clara. “Na pesca e nas florestas, reina o contrabando”, alerta. “São sectores com enorme potencial de arrecadação, mas pouco controlados e raramente incluídos em políticas de transparência ou de integração fiscal. É um desperdício institucionalizado”, concluiu. Há problemas, mas também boas intenções Fátima Mimbire reconhece, no entanto, que ao longo dos anos, houve um esforço institucional para reforçar a capacidade do Estado na mobilização interna de recursos. “Por exemplo, vimos o Estado conceder a gestão de portos e caminhos-de-ferro a entidades privadas, com a intenção de torná-los rentáveis. O problema está na forma como essas concessões são atribuídas. Ou seja, servem mais para interesses particulares do que para gerar receitas reais para o Estado. Temos iniciativas em infra-estruturas ferroviárias, rodoviárias e outras, que, se bem negociadas, poderiam robustecer a capacidade de arrecadação do Estado. Mas, infelizmente, perdem-se no caminho.” Texto: Celso Chambisso • Fotografia: DR
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