50 Anos de Independência: O Que Falta Para Mudar o País
Persistem desafios estruturais (da má gestão fiscal à frágil governação), mas o caminho para a transformação já foi debatido e é consensual: digitalização do Estado, investimento no capital humano e transparência na gestão dos recursos.
Escrita Por: Administração |
Publicado: 5 hours ago |
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Categoria: Economia
Apesar de surgir agora como novo rosto do Fundo Monetário Internacional (FMI) em Moçambique, Harrison Olamide não está alheio ao percurso histórico do País. A sua perspectiva para os próximos 50 anos revela uma visão alinhada com os diagnósticos já traçados pela instituição. O tom sereno da entrevista não esconde o essencial: o FMI conhece bem os bloqueios ao crescimento e insiste, mais uma vez, na urgência de reformas estruturais há muito identificadas.
Crescer com recursos internos
A discussão é levantada numa altura em que o Estado enfrenta, este ano, um défice orçamental significativo de 126,8 mil milhões de meticais, representando aproximadamente 8% do Produto Interno Bruto (PIB). E é esta condição de elevada dependência externa que deve ser resolvida para traçar o caminho da prosperidade. “O principal instrumento de financiamento deveria ser a mobilização de recursos domésticos, através do alargamento da base tributária, o que se consegue através da eliminação das isenções fiscais e melhoria dos mecanismos de administração tributária. Ao mesmo tempo, é necessário recalibrar o Orçamento do Estado para criar maior espaço de gastos em investimentos que têm potencial para gerar crescimento económico, nomeadamente transportes e logística, energia, infra-estruturas digitais, agricultura e cadeias de valor rural, mas também capital humano (educação, saúde e nutrição) e industrialização, entre outras.”
Harrison Olamide explica que os países menos desenvolvidos e com desafios particulares, como Moçambique, deveriam recorrer a financiamentos concessionais, isto é, com condições mais favoráveis. No entanto, o contexto internacional tem-se alterado significativamente e há registos de redução da ajuda pública ao desenvolvimento nos últimos anos. Recentemente, foram anunciados cortes de ajuda externa pelo Governo norte-americano, incluindo para Moçambique, o que reforça a pressão sobre os orçamentos. O recurso ao financiamento doméstico também acaba por ser um caminho perigoso, dadas as elevadas taxas de juro do mercado e o tempo de maturidade curto, aumentando o risco de refinanciamento, sem falar no facto de concorrer com a carteira de financiamento que devia servir o sector privado. “Além de ser uma dívida dispendiosa, estes recursos tem sido utilizados para financiar gastos correntes que não têm nenhum retorno económico, aumentando ainda mais as vulnerabilidades para as finanças públicas”, criticou.
“Num país com enormes desafios, praticamente em todas as áreas, é fundamental não se focar em resolver todos os problemas de uma só vez, principalmente tendo em conta a limitação de recursos internos”, Harrison Olamide, FMI
Promover as FinTech e a transparência
As fórmulas, segundo Olamide, residem na digitalização e combate à corrupção. Refere que é com a digitalização dos processos, em particular na administração pública, que se consegue dar um passo importante para aumentar a eficiência e transparência. Isto contribui para a redução da burocracia e combate à corrupção, que são os alicerces fundamentais para a melhoria da prestação dos serviços públicos aos cidadãos e na relação entre o Estado e o sector privado, acabando por contribuir para melhorar o ambiente de negócios. “Moçambique é um país em que, depois da agricultura, o sector de serviços é o que tem absorvido boa parte do emprego formal e informal, segundo reportam as estatísticas e os vários estudos. Com a digitalização, o sector de serviços pode modernizar-se, tornando os produtos mais sofisticados e contribuir para o crescimento económico. A título de exemplo, a digitalização do sector financeiro e a emergência das ‘fintech’ abre muitas oportunidades para impulsionar as economias e acelerar o processo de inclusão financeira, quebrando barreiras e trazendo mais flexibilidade para o financiamento às actividades produtivas, ao mesmo tempo que gera empregos directos e indirectos”, explicou.
Reformas com prioridade e calendário
Moçambique precisa de melhorar o equilíbrio entre fontes de crescimento e catapultar o desenvolvimento dos sectores tradicionais (agricultura, pesca, turismo). O novo representante do FMI recorda que o Parlamento aprovou, recentemente, a Estratégia Nacional de Desenvolvimento (ENDE 2025-2044), um passo importante para orientar as políticas públicas das próximas décadas. Sugere que “num país com enormes desafios, praticamente em todas as áreas, é fundamental não se focar em resolver todos os problemas de uma só vez, principalmente tendo em conta a limitação de recursos internos e o contexto actual de redução dos fluxos de ajuda ao desenvolvimento a nível global.” Defende ainda que é importante a priorização e o sequenciamento das reformas a serem implementadas, tomando sempre em consideração as dinâmicas conjunturais. Explica que o crescimento mais inclusivo vai requer diversificação da base de crescimento e o alargamento das oportunidades de participação dos cidadãos no processo de crescimento. “A curto prazo, vislumbra-se a necessidade urgente de correcção fiscal para uma trajectória de sustentabilidade e que reduza as elevadas vulnerabilidades de dívida pública. Esta acção irá permitir melhorar o equilíbrio das contas públicas e libertar espaço fiscal para fazer face às despesas de investimento – falo de construção de infra-estruturas resilientes, escolas, hospitais”, afirmou.
O novo Governo assume, agora, o papel de perseguir a agenda de desenvolvimento de longo prazo
E, por fim, aprender com os erros
Para o FMI não há um “trilho dourado” para desenvolver um país. Mais do que procurar um caminho fácil, o mais importante é a capacidade de aprender com os erros passados e adoptar medidas correctivas sempre que haja um desvio em relação aos objectivos de longo prazo. Por outro lado, “é importante aprender com as experiências de países com características similares às de Moçambique que conseguiram fazer a transição (Ruanda, Quénia, Botsuana, Gana, entre outros), até para não repetir os mesmos erros, tendo sempre em mente que as escolhas de política de hoje irão ditar o Moçambique de amanhã”.
Outro grande risco a ter em conta é a desigualdade e exclusão social aliados a elevados níveis de pobreza e vulnerabilidade, gerando frustração e reduzindo a coesão social, aumentando o risco de convulsões sociais. Isto corrige-se com a já referida adopção de políticas macroeconómicas que impulsionem um crescimento mais inclusivo e os investimentos em programas de protecção social que incidam, de facto, sobre as camadas mais vulneráveis.
Salim Valá dá a entender que muitos dos princípios que promovem a prosperidade – como a diversificação económica, a eficiência na gestão pública, o investimento no capital humano e a inclusão social – estão devidamente consagrados na ENDE 2025-2044
Lição bem estudada?
Antes de ingressar no Governo, Salim Valá já se dedicava à análise de estratégias de desenvolvimento de longo prazo, acumulando conhecimento técnico e visão estratégica sobre os caminhos para o progresso económico de Moçambique. Depois de dirigir a Bolsa de Valores de Moçambique, assumiu, este ano, a pasta de ministro da Planificação e Desenvolvimento, depositando plena confiança na capacidade da ENDE 2025–2044 de impulsionar transformações estruturais decisivas para o futuro do País. Valá dá a entender que muitos dos princípios defendidos pelo FMI para promover uma prosperidade sustentável – como a diversificação económica, a eficiência na gestão pública, o investimento no capital humano e a inclusão social – estão devidamente consagrados neste instrumento estratégico que passa agora a ter força de lei.
O que diz o ministro Valá sobre o futuro?
O ministro da Planificação e Desenvolvimento entende que os pilares estratégicos da ENDE respondem de forma clara e estruturada às necessidades mais urgentes do País e projectam uma visão de desenvolvimento sustentável para as próximas duas décadas. Resta saber se o que foi pensado se traduzirá, de facto, em acções concretas ou se a estratégia seguirá o mesmo destino da anterior ENDE 2015–2035, cujos resultados ficaram aquém do previsto.